Chave de Leitura: Sociedade
A difícil missão de unir o país

Marconi Aurélio e Silva*

* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
É consultor, professor universitário do Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES-UNITA),
onde coordena o Eixo de Humanidades de seu Instituto de Estudos Avançados

Font: Cidade Nova | Dezembro 2022 – Você já tinha pensado nisso?

revista@cidadenova.org.br

CONCLUÍMOS o ano com a expectativa de que os resultados eleitorais de 2022 permitam o reencontro do Brasil consigo mesmo. A escolha presidencial, com votação apertada de 50,9% para o vencedor contra 49,1%, explicitou a divisão existente em nossa sociedade e relativizou a força absoluta do grupo que estará no poder a partir de janeiro próximo. Na prática, refletiu ainda a dificuldade de estabelecermos consensos e pautarmos nosso futuro com base naquilo que nos une para além daquilo que nos divide, bem como para além de nossas diferenças e diversidades.

A divisão política nacional ora exposta, contudo, espelha a persistência ainda de dois Brasis: aquele em que os indicadores socioeconômicos são de maior prosperidade, como o Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que se assemelham a regiões mais desenvolvidas do mundo; e aquele em que os indicadores socioeconômicos e passivos históricos em termos de desenvolvimento não foram superados, apesar dos diversos ciclos de crescimento econômico de nossa história, como é o caso de Norte e Nordeste. Importante dizer que cada uma dessas regiões possui suas próprias potencialidades e fontes de riquezas, mas a distribuição desigual de oportunidades e de capacidades, a lenta formação de novas lideranças políticas avessas ao populismo assistencialista, bem como a intensidade do crescimento demo- gráfico, multiplicam os desafios. Novamente vemos a nítida divisão geopolítica eleitoral no Brasil.

Para uma parte do país, a liberdade de iniciativa e a redução do peso do Estado são os fatores mais relevantes a serem ressaltados. Para outra, o apoio do Estado para amenizar as contradições sociais e baixa competitividade e dinamismo econômicos levam à defesa de governos mais presentes e focados no cuidar e definir o rumo  coletivo,  mais  assistencialistas. É justamente o que o mapa eleitoral, entre vencedores e vencidos, demonstra. E quanto mais o país retrocede em termos de aumento da desigualdade, da concentração de renda e do empobrecimento em massa, mais são ativadas soluções focadas assistência social. Por outro lado, à medida em que se melhora a condição geral do povo, ele opta pela menor interferência do Estado em suas próprias vidas. Ou seja, em ambos os casos, as políticas públicas que geram impacto positivo têm como resultado a redução da dependência do cidadão com o Estado e seus governos, pois as pessoas passam a buscar a autossuficiência.

A dimensão continental do Brasil é, entretanto, um desafio adicional à implementação de políticas ajustadas e mais assertivas a demandas regionais tão específicas, de forma equânime. Além do mais, a atuação das lideranças políticas de nosso tempo, sistematicamente, vai no sentido de usar populações menos favorecidas como massa de manobra, a fim de mantê-las dependentes de benefícios sociais que nunca têm fim. Foi assim com o Bolsa Família e com o Auxílio Brasil. A não libertação desse ciclo dependente e a superação do complexo de subserviência mantêm, portanto, as coletividades em disputa entre si, contrapondo liberdades às igualdades, quando estas são complementares e interdependentes. Tudo isso corroborado pela concertação partidária em definir as candidaturas competitivas e viáveis, no melhor movimento de imposição da competição eleitoral de cima para baixo.

Pois bem, a nova governança brasileira em um país tão dividido expõe agora o necessário reencontro das instituições políticas com as novas demandas do povo, exigindo justamente um movimento de baixo para cima, do povo para as instituições de poder. Contudo, como orquestrar a unidade e o consenso em meio a tamanha divisão social?

Segundo Chiara Lubich: “A unidade não é algo que se consegue de uma vez por todas; ela deve ser reconstruída a cada dia […] Isso significa estar sempre prontos a nos vermos novos uns aos outros, significa ter paciência, suportar, saber ‘passar por cima’; significa confiar, esperar sempre, acreditar sempre. Significa, sobretudo, não julgar”.

É evidente, seguindo essa linha, que para recompor ou mesmo construir uma nova convivialidade, pautada em unidade das diversidades, faz-se necessário pacificar os ânimos, dialogar, construir pontes, buscar consensos viáveis e inclusivos, de curto, médio e longo prazos, em virtude do bem de todos, do bem comum. Primeiro, se busca o que nos aproxima e une; depois, ressignifica-se o que nos distancia, até que se superem as divisões em razão de um bem maior para todos. Fraternidade, sororidade, solidariedade, altruísmo até a reciprocidade podem nos ajudar a pavimentar esse difícil caminho, inspirando-nos a ter mais respeito recíproco e habilidade de enxergarmos, nas diferenças e na pluralidade de perspectivas, a riqueza de capa- cidades que tornam as políticas públicas mais assertivas e de maiores impactos, ou seja, melhores e mais completas!

Praticar uma política nesse nível parece viabilizar um salto civilizacional, divisor de épocas, pois abre espaço para sinergias e convergências antes inimagináveis. O desafio subsequente será construir um tipo de política que supere o conflito e a disputa permanente, para atuá-la em favor da unidade dos povos e das culturas, interna e externamente.  Para tanto, é preciso formar novas gerações de líderes, de jovens políticos capazes de superar as já ultrapassadas narrativas da Guerra Fria, do embate entre esquerda e direita, entre liberalismo e socialismo/ comunismo. Afinal, aprisionar a sociedade nesse conjunto de ideias sem atualizarmos a releitura de um mundo que muda, radical e intensamente, é encarar os incertos e desconhecidos desafios, presentes e futuros, na disposição de olhar sempre para trás.

É preciso estarmos abertos e atentos à inovação e renovação que podem acontecer no Brasil pós-eleições, em um momento no qual os absolutismos e super populismos se mostraram ineficientes e geraram, cada um a seu modo, externalidades aquém das necessidades tanto de regiões mais prósperas quanto daquelas que ainda não conseguiram acessar as benesses da inclusão e da soberania efetivas.

O pós-Bolsonaro e pós-Lula tenderá a abrir espaço para esse novo tipo de liderança que está em gestação, notadamente para uma mudança geracional de nossa política. A conferir!